“O saxofonista saltou do tablado e se misturou ao público, soprando como um louco; seu chapéu estava caído sobre os olhos, alguém arrumou pra ele. Ele pulou de volta para o palco marcando o ritmo com o pé e soprando uma nota rouca, áspera, ferina, e tomou fôlego, e ergue o sax e sopra ainda mais forte mantendo o som suspenso sobre cabeças inquietas. Dean estava exatamente à frente dele com a cara quase enfiada dentro da boca do sax, batendo palmas, pingando suor nas chaves do sax, e o cara percebeu e gargalhou com o sax, uma longa, louca trepidante gargalhada musical, e todos os demais riram e requebraram e balançaram os quadris e finalmente o saxofonista decidiu explodir com tudo, dobrando-se inteiramente e mantendo um dó suspenso no ar por um longo, longo tempo, enquanto todos enlouqueciam e os gritos aumentavam mais e mais e eu pensava que a polícia mais cedo ou mais tarde invadiria o bar, vindo em grupo da delegacia mais próxima. Dean estava em transe. Os olhos do saxofonista estavam pregados nele. Afinal, ali à sua frente estava um maluco que não apenas entendia tudo aquilo como também se interessava e queria entender mais, muito mais do que o que estava acontecendo naquele instante; e, assim, duelaram; uma cascata sonora jorrava daquele sax; não eram mais simples frases musicais, mas gritos, bramidos, uivos, gemidos, “Boohh”, baixando para “Biihi!”e voltando a subir até “Hiiii”, retinindo, tilintando, ecoando em sons laterais de um sax incontrolável. Ele fez de tudo, tocou inclinado para cima, para baixo, para os lados, de ponta cabeça, na horizontal, torto, e finalmente caiu duro nos braços de alguém, desistindo; todos se acotovelaram em torno do palco e gritaram: “Yes! Yes! Ele conseguiu!”
Este trecho do famoso livro On The Road, de Jack Kerouac (aqui utilizei a tradução de Eduardo Bueno), é apenas um dos momentos em que o autor, que viveu intensamente a era Bebop dos anos 40, faz menção aos grandes concertos de jazz que se espalhavam pelas noites americanas. A revolucionária técnica narrativa da geração beat deve muito de sua linguagem, seu ritmo e sua prosódia à maneira espontânea e frenética com que músicos como Charlie Parker e Dizzy Gillespie sopravam seus instrumentos.
A ligação entre a composição “Kerouac”, co-assinada por Charlie Christian e Dizzy Gillespie, com o escritor natural de Lowell, Massachussetts, explica-se pela influência de um colega de faculdade do escritor, chamado Jerry Newman, que atuava como produtor de discos dos boppers, e inventava livremente nomes para as intrincadas recriações de canções populares feitas pelas feras do Bebop. “Kerouac”, elaborada seguindo a seqüência harmônica do standard Exactly Like You, foi uma homenagem do produtor ao amigo de faculdade, na época com 19 anos de idade, um ilustre desconhecido.
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Eu adoro esse livro... Queria ler o original, dizem que o Kerouac brinca com a sonoridade das palavras. Ainda assim, li muito a tradução do Bueno enquanto ouvia jazz, pra entrar na atmosfera... :D
ResponderExcluirDemais esta menção do livro do Kerouac. Valeu!
ResponderExcluirFernando
Quando li esse trecho pensei: preciso me aprofundar no jazz! É um clássico indispensável!
ResponderExcluirsomente uma correção.
ResponderExcluirKerouac é pai do movimento BEAT, que não tem nada a ver com beatnik...
Dean, não sou contra correções, mas leia o livro "Kerouac: o rei dos beatniks", de Antonio Bivar, uma autoridade bem maior do que eu no assunto. Um abraço
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