quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

1988 - In Memory Of - Archie Shepp & Chet Baker

O jornalista Luiz "Salsa" Romero,elaborou entre fatos e imaginações, três versões para a morte do trompetista e cantor Chet Baker, com o titulo "As 3 Mortes de Chet Baker" ocorrida no dia 13 de maio de 1988.

Versão - 1

"Diabos, isso está ficando difícil", disse, entre dentes e arquejante, o corpo esquálido pendurado na parede externa do prédio, do pequeno hotel de Amsterdã. As muitas rugas do rosto desértico e encovado estavam inundadas por caudaloso suor que mostrava a necessidade de um pouco mais de esforço para alcançar a janela do seu quarto, ainda alguns metros acima. Distância medida pelos olhos iluminados por fúria latejante, que o impulsionava alguns centímetros a mais. O esforço esfolava e transformava em garras as suas mãos. "Ninguém roubará meu trompete, não, ninguém", disse as arranhadas cordas vocais em sua garganta. O que restava dos músculos corroídos pela heroína e álcool contraíam-se, enquanto as unhas feriam-se nos tijolos, que teimavam em escapar-lhes. De repente, a janela pareceu mais distante aos seus olhos, agora límpidos. Riu para si quando viu sua mão ferida: o sangue nas pontas dos dedos já teve conotação mais sublime, quando, de posse do seu trompete, ele harpejava seus temas favoritos. "Sim, minha alma voava e levava outras com ela. Alguém me disse isso, que meu sopro dava asa às almas desse mundinho cão. Não sei sobre elas, mas eu, sim, flutuo com meu trompete. Sim, senhor, eu sei como voar".

Versão - 2
“Tô de saco cheio de ficar esperando”, disse o maior dos três homens que aguardavam, no quarto do hotel, a chegada de um velho cliente. O menor deles, magro e de olhos pequenos, olhava pela janela em silêncio. O terceiro, sentado na cama, calculava mentalmente os juros da quantia devida e a ser recebida. Riu dos seus pensamentos. A negociação seria difícil, mas tudo se resolveria. “Posso acender as luzes?”, perguntou impaciente o grandalhão. “Não”, comandou o lacônico contador. Levantou-se lentamente da cama com um cigarro apagado entre os dedos e com olhar que mais escurecia o quarto. A noite estava úmida. Era a primavera de Amsterdã. A água da chuva, empoçada na estranhamente limpa sarjeta, refletia uma trêmula e pálida lua - “A lua na sarjeta”, disse Chet Baker, e começou a solfejar com voz arrastada os versos da velha canção: “it`s only a paper moon / Sailing over a cardboard sea”... Tossiu e lembrou-se da última dose que o aguardava na gaveta do seu quarto de hotel. “Para embalar meu sono... Sonhar, talvez”. Atravessou a rua de olhos fechados tentando lembrar o último sonho sonhado. Riu com seus lábios secos: “meus sonhos adormeceram”. Chet não estranhou a porta aberta e a surpresa com a visita foi breve. Já a recebera antes, em diversos momentos. O assunto era o de sempre: o dinheiro da mercadoria cuja última dose seria adiada. A conversa do quarteto foi rápida. O argumento cool do trompetista não comoveu os comerciantes europeus, que o lançaram pela janela. Chet, no chão, ainda viu a lua mais uma vez e disse “It`s only a paper”...

Versão - 3
“E pensar que Russ não queria que eu cantasse”, pensou, jocoso, Chet Baker, enquanto interpretava My funny valentine pela enésima vez em sua atribulada vida de artista – “sweet comic valentine... You make me smile with my heart...” Estava num boteco de Amsterdã, onde parou para pegar mais um carregamento de suas drogas favoritas. Enquanto esperava, tocou um pouco com o grupo de jovens e anônimos jazzistas. “Chet Baker, senhoras e senhores, Chet Baker”, anunciou o efusivo baixista. O trompete, nos lábios que resistiram às porradas da vida, ainda guardava uma boa dose da sua alma cool. “Nunca é a mesma coisa, como a minha heroína”. O fio de voz lembrava o fio de seda que sustentava sua coluna e guiava suas viagens.
Chet já devia ter mais ou menos uns duzentos anos de vida. Intensa vida comprimida num pequeno espaço físico/temporal, que já se demonstrava exaurido. Os alcalóides entranhados nas mitocôndrias já não eram apenas uma experiência – eles se tornaram a experiência. E a sua alma inquieta queria muito mais. O coquetel de tudo que tomou no caminho para seu hotel adiantou-lhe mais uns meses do tempo. Duzentos anos e alguns meses. Olhou para suas mãos, para os seus poros, para um poro – “Para onde isso vai?”, e imaginou-se pelo avesso. O som do motor do taxi soava como um mantra: “A Terra ruminando”, murmurou. Subiu para o seu quarto e tomou mais um pouco de tudo. O fio de seda o levantou da cama. Chet movia seus membros com leveza. Uma nuvem de seda sob seus pés. "Unphotographable...", balbuciou, enquanto caminhava para a janela, fascinado pela pequena estrela serelepe que insistia por uma fresta do céu encoberto de nuvens. O olhar, lá, distante, não percebeu que suas mãos não encontraram o peitoril. Seu velho corpo balançou como marionete antes que o fio de seda se rompesse. Chet caiu". Publicado em 24/03/2008, por Luiz Romero - blog Jazzgo . Lançado em 16 de Outubro de 1988, "In Memory Of" traz Chet com o sax. tenor Archie Shepp numa reunião eloquente, realizada em Frankfurt e Paris.

Faixas:
01 - Dedication To Bessie Smith's Blues
02 - My Foolish Heart
03 - Confirmation
04 - When Lights Are Low
05 - How Deep Is The Ocean
06 - Old Devil Moon
07 - My Ideal

Musicos:
Chet Baker - Trompete & Vocal
Archie Shepp - Sax. Tenor & Vocal
Horace Parlan - Piano
Herman Wright - Baixo Acustico
Clifford Jarvis - Bateria

Download Here - Click Aqui
Boa audição - Namastê.
Uma Colaboração do Blog Borboletas de Jade
Chet Baker, John Coltrane, Miles Davis & Jazz de Vanguarda.

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Um comentário:

  1. Como sempre, maravilhosos albuns!
    Se eu der bobeira, fico a noite inteira aqui baixando músicas e mais músicas..
    Parabens a vocês!

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