O blog JazzMan! tem a enorme honra de entrevistar o jornalista Roberto Muggiati, um dos mais importantes escritores e historiadores de jazz em nosso país.
Por Leonardo Alcântara (JazzMan!)
Colaboração: Fernanda Melonio e Vagner Pitta
O jornalista curitibano Roberto Muggiati tem sido nos últimos anos uma verdadeira autoridade no que tange à difusão do jazz entre os brasileiros. Com diversas publicações sobre o gênero, Muggiati consegue mostrar ao leitor, com uma linguagem agradável e elegante, que o jazz não é nenhum bicho de sete cabeças e que está além de um simples gênero musical, podendo ser utilizado como fonte de inspiração para diversas situações e decisões ao longo da vida.
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Esta idéia é reforçada em seu último lançamento Improvisando Soluções: o Jazz como Exemplo para alcançar o Sucesso (Best Seller, 2008), onde o escritor cita diversos exemplos de jazzistas que superaram as mais variadas adversidades para impor a sua arte. Superação e improviso fazem parte da história e da estética do jazz, onde seus vitoriosos protagonistas transformaram vivências e sentimentos em uma arte espontânea, que permanece viva há mais de um século.
Roberto Muggiati estará no dia 05/12, em Curitiba, sua cidade-natal, para o lançamento do livro Improvisando Soluções: o Jazz como Exemplo para alcançar o Sucesso. Antes disso, ele generosamente nos concedeu a entrevista abaixo.
JazzMan!: O que foi que te chamou a atenção no jazz? Como foi o processo até se tornar um dos grandes escritores brasileiros do gênero?
Roberto Muggiati: Com pouco mais de dez anos de idade, ao ouvir naquelas velhas bolachas de 78 rotações-por-minuto os sons de Art Tatum, Nat King Cole, Louis Armstrong e Duke Ellington, percebi que aquela música era diferente das demais — era mais viva, mais inteligente, menos previsível e programada. Daí para o bebop de Charlie Parker e Dizzy Gillespie, para as invenções pianísticas de Bud Powell e Thelonious Monk, para o saxofone cool de Lester Young, foi a descoberta do jazz moderno, complementado depois pela escola da Costa Oeste (Stan Getz, Gerry Mulligan e Chet Baker, Shorty Rogers e seus grupos, a orquestra de Stan Kenton).
Como escrevia desde pequeno, a carreira enveredou para o jornalismo (e depois para os livros) e escrever sobre jazz — a música que amava acima de todas, foi um passo natural.
JM: Desde 2005 estamos tendo uma onda crescente de festivais de jazz pelo país. Os Festivais de Ouro Preto e Rio das Ostras já são reconhecidos como alguns dos melhores do mundo. Você acredita que prefeituras, produtoras e empresários estão descobrindo o poder do jazz?
RM: Com certeza. Você já ouviu falar dos festivais de Manaus, de Guaramiranga (no Ceará), de Joinville (Santa Catarina) e dezenas de outros “pocket festivals” nas capitais do Brasil. A maioria conta com patrocinadores públicos ou privados, indicação de que os marqueteiros descobriram finalmente o poder de penetração do jazz e a sua marca de qualidade e sofisticação.
JM: Como você avalia a difusão do jazz no Brasil?
RM: Ainda é pequena, apesar dos sites e blogs que existem. Mas publicações especializadas são raras, ou sazonais. Se você se der conta de que uma revista de uma grande editora sobre rock – a Bizz, da Abril – deixou de circular, a situação é ainda mais difícil para o jazz. Mas, graças principalmente à internet, o jazzófilo – como o jazzista – sabe se virar e encontra suas fontes de informação.
JM: No livro New Jazz: de volta para o futuro, você escreve a respeito de músicos que ficaram conhecidos como os Young Lions, surgidos nos anos 80 e 90 com a proposta de preservar uma tradição jazzística. Quais as diferenças entre essa geração mais recente e as anteriores, das décadas de 60 e 70, e quais as contribuições dos Young Lions para o futuro do jazz no século XXI?
RM: A geração dos irmãos Marsalis & Cia teve mais acesso do que as anteriores ao aprendizado não só do jazz, como da música em geral. (Muitos, como Wynton e seu irmão saxofonista Branford, são também exímios executantes do repertório erudito). Mas esta geração – embora toque admiravelmente bem – se viu condenada a uma releitura de todas as escolas do jazz que a antecederam, sem a capacidade de criar algo “novo”. (Este problema da criação do “novo” se aplica também a todas as outras artes: pintura, literatura, teatro, etc. — é uma espécie de característica da época, um momento, talvez, de apreender tudo o que já foi feito antes de começar algo novo, um momento de espera).
JM: O crítico inglês Stuart Nicholson, em seu livro Is Jazz Dead? (Or Has It Moved to a New Address), gerou polêmica ao dizer que o jazz europeu detém os reais inovadores do jazz contemporâneo, pois essa geração de Wynton Marsalis cristalizou o jazz em uma música baseada no tradicionalismo e esqueceram da necessidade de criatividade e inovação. Você concorda com as palavras de Nicholson?
RM: Nem o jazz morreu, nem se mudou para um novo endereço (a comunidade dos euros). Podemos dizer que se espraiou por uma série de novos endereços e, registre-se aí, além da contribuição européia, as contribuições latino-americana (Brasil, Argentina, Cuba, México), asiática (Japão, China, etc), africana e por aí vai.
JM: Como você avalia os músicos que surgiram a partir dos anos 2000? Qual a proposta da nova geração?
RM: É uma geração pulsante de talentos, experimentando todo tipo de formatos musicais e explorando todas as possibilidades no campo da instrumentação. A meu ver, um fato importante é a ascensão da mulher, não mais presa ao papel da crooner, mas competindo com os homens em instrumentos “viris” como o contrabaixo, a bateria, o trombone e o saxofone. Sem mencionar que a grande band-leader e orquestradora da década é uma mulher, Maria Schneider.
JM: Fale-nos um pouco sobre o Improvisando Soluções, seu mais recente livro. Como surgiu a idéia de escrevê-lo?
RM: Como eu relato no próprio livro, a idéia tomou corpo a partir de um curso que dei em Porto Alegre em fevereiro de 2006, no Espaço Cultural Santander, sobre os Cem Anos do Jazz, três palestras de três horas que tiveram a ocupação da sala completa, incluindo homens e mulheres nas faixas etárias de 16 a 80 anos. A receptividade deste público de quase cem pessoas me despertou a idéia de escrever um livro sobre “vivências do jazz”, sem elaborar demais na parte técnica ou musical, mas enfatizando as lições de vida dos mestres do improviso.
JM: Neste livro, você relata uma passagem em que o jazz o salvou de um suicídio. Em algum outro momento o jazz o influenciou em outras decisões importantes?
RM: Não só nesta ocasião crítica, mas em situações do dia-a-dia, o jazz sempre contou muito em minha vida — na tentativa de tocar saxofone, estudando dez anos com o Mauro Senise, como na cobertura de shows e festivais, na descoberta de novos álbuns dos grandes mestres e também de músicos “menores” porém altamente significativos. O jazz sempre atuou no meu mecanismo de memória como a famosa “madeleine” proustiana, cada época ou momento de minha vida amarrado a esta ou aquela música. Basta ouvir hoje, por exemplo, Sarah Vaughan cantando Over the Rainbow acompanhada do saxofonista Cannonball Adderley que eu viajo na máquina do tempo até aquele ano mágico de 1958, meio século atrás, e revivo exatamente o que eu fazia, o que eu sentia na ocasião.
JM: Você cobriu o Festival de Montreux (1985 a 1988) e a maioria das edições do antigo Free Jazz. Quais as lembranças mais marcantes destes festivais?
RM: Existem os punti luminosi, como as apresentações de Hermeto e o dueto de Hermeto com Elis (1979), de João Gilberto (1985), a volta de Miles Davis aos palcos (1985), tudo isso em Montreux, a big band de Gil Evans no Hotel Nacional, o show grátis de Sonny Rollins no Parque da Catacumba, no Rio, a entrevista exclusiva de uma hora com Chet Baker e sua apresentação no primeiro Free Jazz, em 1985; a Mingus Band com Elvis Costello no MAM; ali mesmo, o conhecimento dos novos talentos de Terence Blanchard, Nicholas Payton, James Carter, John Pizzarelli, a comovente apresentação de Michel Petrucciani no Hotel Nacional; e, também ali, a do veterano violinista Stephane Grappelli; a maestria de veteranos como Lee Konitz, Art Farmer e Johnny Griffin. Rever Griffin (no Rio) e Dexter Gordon (em São Paulo 1980 e Montreux 1986) foi viajar de volta a Londres em 1962-63, quando eles passaram cada um um mês inteiro no Ronnie Scott's Jazz Club. Dizzy Gillespie e sua United Nation Orchestra no Free Jazz. Enfim, são momentos marcantes de música, que a gente não esquece jamais.
JM: Uma última pergunta para descontrair: no hino do Flamengo há os versos que dizem: "Eu teria um desgosto profundo/Se faltasse o Flamengo no mundo...". Se fosse o jazz que faltasse, como seria?
RM: Eu teria um desgosto profundo se o jazz faltasse, mas isso nunca vai acontecer. A propósito, há uma cantoria que rola nos estádios brasileiros entre as torcidas que é puro jazz, o refrão de When the Saints Go Marchin' In — tararará, tararará, tararará-rá-rá-rá-rá, tarará, tará, tarára, tarará, rá-rá-rá-rá! Repito a você a pergunta que até hoje ninguém me respondeu: como foi que está canção de New Orleans veio parar nas arquibancadas do Maracanã? Tenho a minha teoria: ela chegou através das charangas, aquelas bandinhas de torcida, como a famosa banda do Bangu e a Charanga do Flamengo, que captaram When the Saints através de discos ou até através das apresentações pela rádio e TV do incrível Booker Pitman. É um mistério digno de uma profunda pesquisa. Quem se habilita? JM
Título: Improvisando Soluções
Autor: Roberto Muggiati
Editora: Best-Seller
Ano: 2008
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ótima entrevista jazzman
ResponderExcluirAgora que me dei conta desta entrevista.Magnifica.Ja encomendei o livro e logo, logo vou degusta-lo.
ResponderExcluirMais uma vez vc saiu na frente. Valeu Leo.